segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Ora, bolas... um susto durante o tratamento do câncer em Theodora

Adoro quando minhas amigas que moram em outras cidades aparecem em Campinas para me visitar.

Tenho a bênção de ter grandes amigos e amigas.

E estou falando de amigos de verdade, desses que já presenciaram meus melhores e piores momentos, e que, mesmo sabendo do meus muitíssimos defeitos, ainda insistem na amizade. Gente com quem eu posso contar, pessoas que sempre receberei com carinho, mesmo nas minhas fases de impaciência.

Algumas amizades são bem antigas: mesmo tendo mudado de cidade aos dezoito anos, conservo algumas amigas do tempo do primário, e até mesmo (olha o recorde) do jardim da infância.

Outras amizades chegaram depois, e já se estendem por 10, 20 anos, sobrevivendo determinadas às minhas crises, aos meus surtos, às minhas maluquices, aos meus "momentos-caramujo" (quando sumo de tudo e de todos).

É muito tempo, é muito sal: depois de tantas histórias compartilhadas, certas pessoas são para sempre, não tem escapatória.
Eu brinco dizendo que às vezes fico na dúvida se isso é sorte ou se é carma.

Este final de semana, fiquei supercontente com a visita da Maria Amélia, uma das minhas amigas-irmãs, que veio de São Paulo e trouxe de lambuja um outro grande amigo meu, o Camel, que aproveitou a carona. Dose dupla de alegria, os dois são animadíssimos.

Encontrar os amigos é bom demais. Falamos sempre por e-mail, por msn, por telefone, mas não é mesma coisa que encontrar pessoalmente. Sou a favor de pessoas, não de avatares.

Animadas com o reencontro, Maria Amélia, minha irmã Ana Paula e eu desatamos a tagarelar, cheias de novidades, mil comentários saindo às fornadas, como se tivéssemos que contar toda a vida em apenas alguns minutos!

Esse meu amigo, coitado, não estava preparado para tanta falação. Ele tentava acompanhar a conversa, só faltou pegar senha para poder falar também: homens não entendem como mulheres conseguem falar de tanta coisa diferente ao mesmo tempo. A gente acha supernatural desfiar mil histórias que em algum momento se misturam, um assunto puxa o outro, a gente vai e volta no tempo sem jamais perder o fio da meada. Basta uma tomar um fôlego que a outra já pega a vez e sai falando, é conversa que não acaba mais. E tudo isso sem perder uma cena sequer do que está passando na novela...

A Theodora, a minha cachorrinha, adora este movimento todo de visitas.

Felizmente, a Maria Amélia e o Camel gostam de cachorros e não se importam se a Theodora resolve dividir amigavelmente um canto do sofá. Ao contrário, os dois é que não deram descanso para a pobrezinha, brincando o tempo todo, coçando-lhe a barriga, pegando no colo... E ela ali, só curtindo a bagunça...

E depois dizem que eu é que mimo a cachorrinha.

E foi numa dessas horas, com a Theodora confortavelmente virada de pança pra cima, que a Maria Amélia notou alguma coisa estranha ao tato:

"_Alda, ela está cheia de bolinhas..."

"-Imagina, Maria Amélia, não tem nada de bolinha aqui, nem vem, ela tá ótima, são os nós na pelagem, ela não viu escova estes dias..."

Puxei a Theodora pra perto, não vi nada.

Disfarcei na hora, mas fiquei cismada. Assim que meus amigos saíram com minha irmã para um choppinho, tratei de "escanear" a barriga da Theodora com a ponta dos dedos. Senti as bolinhas.

Surtei.

Só falta depois de todos estes esforços de tratamento, o hemangiosarcoma ter voltado.

Foi um resto de tarde desses que parecem sem fim.

Não dormi à noite.

As bolinhas me deixaram encafifada, preocupada.

Dormi um pouco, finalmente.

Sonhei com echarpe de "petit pois".

Por todo lado, bolotas.

Almôndegas. Rodas. Bolas. Bolinhas de gude.

Acordei de madrugada: a Theodora continuava dormindo e roncando.

Bom, estou fazendo tudo o que está ao meu alcance. Não depende mais de mim.

Mas será que rezei o suficiente?

Será que devo fazer uma promessa?

Ficar sem comer chocolate? hmm ...melhor não. Esta promessa está com cara de que resolveria meu problema de sumir com uns quilinhos a mais, e não de que resolveria o problema das bolinhas.

Essa não vale.

Ficar sem beber por um mês? Idem : essa promessa faria bem pra mim, não pra Theodora.

Será que eu devia ter pedido à Rossana mais sessões de Jin Shin?

Será que deveria ter aumentado as doses de ype roxo?

Sera que fiz mal em contar que um amigo, ao ver  foto do Sai Baba, achou-o  parecido com a Araci de Almeida? Mas era só um comentário engraçado da foto, não quis desmerecer...eu acredito mesmo que ele seja um guru do bem. E se ele é tão evoluído, sabe dessa minha boa intenção...

Rolei na cama, embolei-me no cobertor. E a Theodora roncando.

Segunda, felizmente, é dia de veterinário.

Mas o tempo não passa nunca quando temos pressa. Se hoje é domingo, a  segunda parece estar a anos-luz.

O tempo só passa rápido quando queremos que ele demore a passar.

Alguns dizem que o tempo não existe.

Mas o relógio é insuportavelmente real. E lento, quando estamos com insônia.

Bolinhas.

Minúsculas. Bolas por toda parte.

Imaginei-as pipocando por dentro da minha cachorrinha. Aliens.

No dia seguinte, olheiras.

Olhei-me no espelho, super tensa. Felizmente meus cabelos não haviam amanhecido todos brancos.
(Confesso, fiquei impressionada com aquela história que li sobre a Beth Lagardère. Sou fã dela, mulher chic, poderosa e brasileiríssima. Vi, na exposição de seus vestidos de festa no SPFW, um modelo totalmente inspirado na Bandeira do Brasil. Era a bandeira em forma de alta costura : pra quem pode. Mas enfim, li uma vez que quando Beth Lagardère perdeu o marido, de tristeza, acordou um dia com os cabelos inteiros brancos. Pintou-os, deixando somente uma mecha branca como homenagem ao marido. Uma linda homenagem. Mas alguns dizem que a mecha a deixou meio que parecida com a Cruela, a dos dálmatas...)

Se as bolinhas forem o hemangiosarcoma atacando, de nada adianta o stress da quimioterapia.

Uma batalha perdida? O monstro tinha vencido?

O que vamos fazer agora, Theodora?

Não estou preparada para despedidas.

Theodora me olhava abanando o rabicó, como que perguntando quando eu terminaria aquela lengalenga, era hora do café da manhã, um imperdível prato de ração colorida e uma rodela de banana estavam à espera e eu ali, enrolando...

Resolvi enfrentar a situação.

Abri a janela e, com mais luz, fui ver direito as bolinhas, se estavam no lado do baço extraído ( o baço etéreo, segundo a terapeuta)

Olhei bem de perto, ia pegar uma lupa ( pois é, meu pai me deu uma lupa de presente, em solidariedade à minha miopia) mas não foi necessário.

As "pseudo-bolinhas" seguiam uma linha em "T"...eram os pontos da cicatriz!!!.

Conferi mais de perto. Apalpei de leve, confirmando.Era mesmo a cicatriz, os pontos da cirurgia formando aqueles minúsculos relevos na pele.

Ufa!

Devolvi a Atlas o peso do mundo.

Coloquei um tênis, levei a Theodora para passear: apesar do inverno, hoje fomos presenteados com uma linda manhã de sol.

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