quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Uma cocker spaniel quase vegetariana - Frutas e mimos extras durante a fase da quimioterapia

Hoje lembrei do dia em que Theodora roeu uma espiga de milho cheia de formigas e ficou de carinha inchada, parecendo uma mini rotweiller.
Tadinha. Mas rapidamente a levamos ao veterinário e ficou tudo bem. Theodora adorava milho. Aliás, todo mundo brincava que eu tinha uma cocker spaniel vegetariana.
Entre uma manga e um filé, ela hesitava, olhando para um e para outro, decidindo qual abocanhar primeiro, num impasse supremo que nos fazia rir...
Manga, morango, pepino, hamburger de soja, macarrão, banana, milho, água de côco, cenoura...realmente, este é um cardápio meio inusitado tratando-se de cães.
Gente, minha cachorrinha adorava chá. Pode isso?
E ração que é bom, ela só encarava mesmo por falta de alternativa.
Claro que priorizamos a ração, que é balanceada, mas durante o tratamento do hemangiossarcoma canino, ou seja, durante a tensa fase da quimioterapia, abrimos uma exceção e deixamos a Theodora se esbaldar com pepinos, saladinha de frutas...afinal, alguns mimos extras sempre servem para elevar o moral...
E depois, ainda nesta fase da quimio, acabamos por descobrir a técnica de esconder o comprimido de Genuxal na rodela de banana: Theodora engolia rapidinho, sem nem piscar... e o fato dela gostar de chá também facilitou bastante as coisas, pois, além de hidratar, buscávamos sempre priorizar os chás com ervas medicinais, para o fígado e rins. Sem eliminar a alopatia, usamos a homeopatia como um reforço nesta luta contra uma inevitável futura metástase, que acabou chegando sem cerimônia, mas que retardamos o mais que pudemos.
São tantas lembranças... agora resta a saudade e a certeza de que valeu a pena.
Ainda não consigo falar do dia da derradeira despedida, embora Theodora, neste dia, tenha sido sublime, despedindo-se com um gesto de extrema compreensão, encerrando sua jornada com uma última demonstração de lealdade sem fim...
Realmente, Theodora foi um anjinho que veio alegrar nossas vidas e que agora voltou para sua casa...e o céu deve ter se tornando um lugar muito mais animado desde então.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

O começo do fim

Há semanas tento retomar as postagens, mas olho o notebook e o coração me emperra as mãos.
Antes de mais nada, quero dizer que toda esta luta foi válida.
Nào me arrependo um minuto sequer de ter feito tudo o que pude para tentar salvar a Theodora .
O tratamento contra o câncer - mais especificamente o hemangiossarcoma -, não foi tão difícil assim.
E posso afirmar que sim, o veterinário atingiu a sua expectativa.
O problema é que a minha expectativa era muito maior que a dele. Ele batalhava para 2 ou 3 meses de sobrevida com qualidade. Eu batalhava pelo milagre.
Mas ele sempre foi sincero e me alertava para festejar cada dia como se fosse uma grande e imensa conquista. Não havia como fazer promessas.
E Theodora lutou bravamente.
Lidou superbem com a quimio, saía até animadinha das sessões, e eu brincava que ela estava era tomando guaraná em pó em vez de quimioterápicos.
Foram meses de tensão, de preocupação, mas também de muita esperança.
Theodora, nestes meses, nos presenteou com momentos mágicos.
Como se soubesse da iminente despedida, fez questão de acrescer capítulos formidáveis à nossa história.
(Me desculpe, Marley, mas o melhor cachorro do mundo não era você...)
Difícil contar como a história acabou.
Mas o fato é que até o último instante, Theodora mostrou o que é ser guerreira e o que é ser fiel.
Numa lição de profunda amizade, Theodora me deixou a mais linda das mensagens e não me abandonou nem no último segundo de sua vidinha.
Vou tentar retomar o blog, retomando esta história do dia em que fui tomar sol na casa de uma amiga de infância.
Estávamos até então muito otimistas. Queria ver Theodora no Guiness Book, com o recorde mundial de sobrevida num caso de hemangiosarcoma.
Cheguei à casa desta amiga ainda cedo, e algumas horas depois minha irmã chegou trazendo a Theodora consigo. Theodora sempre adorou tomar sol, virando a pança para cima, e não raro atirando-se na piscina...
Mas Theodora não parecia muita animada.
Achei estranho, pensei que talvez ela não estivesse a fim de interagir com os outros cachorros, o golden retriever e os dois jackie russels da minha amiga, que se revesavam disputando minha atenção.
Mas depois de algum tempo, quando ela foi deitar sozinha num canto, fiquei preocupada.
Cachorro quando se isola assim, do nada, sem aparente motivo, é sinal de que algo vai mal.
E em pouquisismo tempo, Theodora ficou apática, parecia fraca, não quis comer ração.
Corri para o supermercado, comprei bananas (e um plasil por via das dúvidas).
Lembrei que o veterinário, na manhã anterior (um sábado), havia me dito que Theodora estava bem.
Fiquei repetindo mentalmente o que ela havia me explicado: o fígado havia apresentado algumas manchas no ultrassom, e por isso foi preciso fazer alguns novos exames. Mas o importante é que ela não estava vomitando, pois isso sim seria um sinal de comprometimento do fígado.
Ative-me a esta observação do médico como o náufrago que se agarra a um destroço no mar revolto.
Pois naquela noite Theodora vomitou um líquido amarelado.
E desta vez não era nenhuma manga.
Assim, do nada, de um dia para outro, ela, que parecia tão bem, ficou fraca.
Os olhos pareciam cansados, extremamente cansados.
Theodora vomitou quietinha num cantinho do quaro de hóspedes, e foi me chamar para mostrar que algo estava errado.
- O que você quer, Theodora? O que foi? Me mostra.
Segui-a. Ela entrou no quarto de hópedes, parou diante do tapetinho e olhou para mim.
Ao ver aquela gosma amarelada, entendi que era hora de me preparar para o pior.
Um vazio imenso tomou conta de mim.
Um antagonismo: um vazio preenchendo um coração...

Hemangiossarcona canino - este monstro levou Theodora...

Este deveria ser uma história vitoriosa, alegre, com um final feliz.

Um exemplo de sucesso, para ser compartilhado.
Um sopro de esperança. Mas nem sempre a vida é escrita segundo a vontade do autor. Depois de muita luta, de muitos tratamentos, de momentos de tristeza intercalados por muita esperança, depois de muita espera...o milagre não veio.

Ou talvez até tenha vindo, numa dose homeopática, que permitiu que Theodora resistisse alguns meses, dando-nos mais tempo para a despedida. Talvez este tenha sido o milagre, enfim.

O câncer é uma doença agressiva e impiedosa, como rio revolto que invade, se infiltra, arrasta. Eu era pura esperança. Hoje sou puro vazio.

Minha Theodora se foi, e com ela, um pedacinho do meu coração.

Mas sei que ela foi porque era tempo, pois sua missao aqui de ser a mais leal, divertida e amorosa cachorrinha do mundo havia sido cumprida.

Nunca imaginei que perder um animalzinho de estimação pudesse ser algo tão sofrido. Nem sei como cabe tanta saudade em mim.

Mas Theodora me foi fiel até o último e derradeiro instante, numa demonstraçâo linda de amizade e de cumplicidade.

Mas falo disso outra hora. Hoje não dá.

Hoje só consigo imaginar que o céu deve ter se tornado um lugar muito mais legal, com uma cocker black and tan correndo toda prosa atrás dos anjos, brincando com as nuvens e pulando no colo de São Pedro...

Are you there yet? (O tratamento contra o câncer parece sem-fim...)

Despertador. Hora de levantar.

Preciso trocar esta música do celular. Todo dia, às 8h00 em ponto, acordo com esta musiquinha do Skank. Adoro o Skank, mas não especificamente esta música, não sei porque até hoje não troquei.

Às vezes protelamos fazer algumas coisas, por parecerem superbanais. Por outro lado, a forma de acordar, de começar a manhã, pode influenciar imensamente o nosso jeito de conduzir o resto do dia.

Não sei que amiga comentou que fazia a questão de ela mesma acordar os filhos pequenos todos os dias, para que, ao abrirem os olhos, ela fosse a primeira pessoa que eles vissem.

Realmente, quando se é criança, acordar e ver a mãe ali, ao lado, é muito mais legal do que abrir os olhos e dar de cara com a babá. Ou do que não ver ninguém. Um cuidado extra para fazer o dia dos pequeninos mais feliz.

Definitivamente, posso escolher a música que vai me despertar pelas manhãs.

Vou pensar numa que realmente goste. E até pode ser do Skank. Mas não essa.

Mas hoje eu já estava acordada bem antes da musiquinha.

Aliás, hoje cedo a única música que me parecia cabível seria algo como um rufar de tambores de suspense. Algum tema de filme de Hitchcok.

Hoje é o dia do ultrassom.

O senhor da verdade. The Master of the Truth.

Imaginei o ultrassom como o Darth Vader. Aquele vozeirão dizendo talvez coisas que eu não quisesse ouvir.

Sei que parece estranho comparar a verdade com um vilão.

É que às vezes, por melhor que seja, a verdade parece cruel, como o Darth Vader.

Mas mesmo cruel por fora, a verdade é sempre boa por dentro, mesmo que a gente não perceba isso logo de cara, mesmo que a gente demore pra assimilar. Como o próprio Darth Vader, que, se pensarmos bem, é uma espécie de verdade de trás pra frente, já que, no fundo, ele é o pai bacana do Luke Skywalker.

A verdade às vezes parece se alternar entre o papel do herói e do vilão, e às vezes acaba sendo os dois ao mesmo tempo.

Não sei se quero mesmo ouvir a verdade, pois neste meu momento ela é uma ilustre e apavorante desconhecida.

Mas não suporto mentiras.

Talvez o melhor seja simplesmente não saber.

Talvez a ignorância seja mesmo uma bênção. Ela "atravanca o progresso ", como dizia o ator no programa do Chico Anysio, mas por outro lado, poupa o coração.

Mas não há como escapar : é dia de confirmar, enfim, se todas estas semanas de tensão, cuidados, insônias, quimioterapia, jinshin, gráficos de SaiBaba, orações, chás de ype roxo e de boldo, comprimidos, sprays e energizações valeram a pena.

Tenho que encarar, levar a Theodora pra fazer a ultrassonografia. Ouvir a verdade verdadeira.

Que a Força esteja comigo. Vamos lá.

A Theodora e nós todos da família optamos por travar uma batalha intensa contra o hemangiossarcoma esplênico, a despeito das estatísticas pessimistas que constam na literatura veterinária.

Apostamos nossas fichas na quimioterapia complementada pela homeopatia e pela terapia holística, com reforço extra de muito pensamento positivo e muitas orações.

Vários amigos aderiram à onda de energia positiva. Mandavam e-mails, recados, mentalizavam que tudo ia dar certo. Amigo que é amigo tem que mais é que dar força, faz parte da descrição do cargo.

Fiz na agência, logo após a cirurgia da retirada do baço da Theodora, um cartão de agradecimento :

"Au-brigada!" .

Fiz questão de enviar a todos, agradecendo a torcida. Ficou bem fofo. Todos gostaram.

Não sei ainda como se faz para inserir imagem no blog. Se eu descobrir, insiro a arte. Ficou mesmo muito legal.

Não acho que fazer o cartão foi perda de tempo, não. Fiquei no estúdio elaborando o design como forma de expressar imenso carinho e gratidão.

O design é também uma forma de desabafo. Uma forma de traduzir o coração.

Durante todas estas semanas, dividimos a mente entre o medo e o otimismo. O receio da despedida, a expectativa da cura.

É incrível como um simples animalzinho pode transformar a vida de tantas pessoas numa família.

Por 10 anos, a Theodora esteve ali, partilhando das nossas vidas. Brincando. Protegendo. Fazendo festa com nossa chegada. Dividindo silêncios, testemunhando momentos difíceis e momentos maravilhosos. Fazendo travessuras. Alertando sobre movimentos estranhos. Fazendo parte da nossa rotina. E muitas vezes, é verdade, quebrando totalmente a rotina.

Ou seja, cumprindo divinamente seu papel de cachorro de estimação: sempre leal. Sempre companheira, sem fazer julgamentos.

E de repente, um tumor terrivelmente maligno pode mudar tudo.

Hora de enfrentar o Darth Vader.

Fomos para o ultrassom.

Uma veterinária foi quem nos atendeu.

Nunca havia pensado em levar a Theodora para uma consulta com uma veterinária mulher. Nenhum preconceito, ao contrário, apenas nunca havia passado isso pela minha cabeça.

Tenho uma prima veterinária, mas sempre a imaginei cuidando de cavalos ou bois, nunca de cachorrinhos.

Expliquei a situação.

Atenciosíssima, a meu pedido, a veterinária começou os procedimentos com o cuidado de ir me explicando cada detalhe de cada imagem. Ela deve ter achado insuportável, mas eu achei ótimo.

Theodora não gostou nada do exame. Tremia que nem vara verde. Talvez porque eu não tenha conseguido lhe passar segurança alguma.

No fundo, era meu coração que tremia : e se houvesse metástase?

E se houvesse algum nódulo, algum sinal de que o monstro estava ainda vivo?

Teria sido tudo em vão?

O ultrassom mostrou estômago, cólon, alças, vesícula, bexiga, verdadeira aula de anatomia canina.

Uma manchinha na tela e eu sentia um nó na garganta: "É alguma coisa? "

"Não, por enquanto nada"- dizia a moça.

"E agora, o que é esta bolinha escura?"

"Calma, é a vesícula, está tudo bem por enquanto" - explicava a veterinária.

"E essas manchas brancas? E essas sombras? "

"Fique tranquila, estas são as alças, e estes são gases"

GASES?

Gases aparecem no ultrassom?

( Theodora, estamos aqui vendo um punzinho seu em formação?)

Que coisa esquisita, a ciência. O homem foi à lua e temos equipamentos que detectam gases no interior dos órgãos! ...Mas nada de inventar um jeito de alinhar os dentes sem que sejam necessários anos e anos usando aparelho.

Lembrei do meu dentista, me dizendo que em 6 ou 7 anos, usando aparelho direitinho, meus dentes ficariam perfeitos. Quase surtei. Já me imaginei num asilo, e usando ainda aparelho. Não, não, melhor esperar pelas novas tecnologias.

Este exame de ultrassom parece sem-fim.

Um desafio à ansiedade.

Por outro lado, tanto cuidado me sugeriu perfeccionismo, atenção. Prefiro assim, apesar da demora.

"E este sinalzinho aqui? "

"Está tudo normal, estamos indo bem, Alda, acalme-se "

Acho que estava parecendo burrinho do Shrek, repetindo "Are we there yet? ", "Are we there yet? "

Insuportável, admito.

Mas convenhamos, depois de tanto sufoco por tantas semanas, tudo bem eu me permitir esse meu momento Burrinho do Shrek:

"Tem certeza mesmo de que não é nada, doutora? "

Chamei-a de doutora? Qual o nome da veterinária? Não lembro seu nome. Acho que toda hora que ia perguntar de novo, oopps, algo na tela do ultrassom me chamava atenção. Uma gafe esquecer o nome da pessoa, coisa chata, mas agora as prioridades são outras, desculpe aí.

Vamos lá, olhos bem abertos, não podemos deixar escapar nada nenhum linfonodo, nenhum micro-monstro despercebido, há que se vasculhar tudo, cada milímetro, para saber se não há realmente sinal nenhum de metástase.

Uma eternidade.

Ainda falta muito? (Are we there yet? ?)

É como estar num túnel, avançando sempre, mas sem saber se na saída veremos luz ou um céu negro de tempestade.

Não saber o que está do outro lado parece tornar a viagem mais longa.

Estou há quanto tempo nesta sala? Horas? Dias? Quanto mais tempo levaremos?

Ufa. Acabou.

Nenhum sinal do monstro.

Theodora, mil pontos. Metástase, zero.

Vencemos!

Vencemos, sim, pelo menos por enquanto. Fomos muito além do esperado.

Viva o Genuxal, o Meticorten, a doxorrubicina! Viva o ype roxo, os gráficos do Sai Baba, as sessões de jin shin aplicadas pela Rossana! Viva o chá de boldo, viva a novalgina, viva o spray de energização! Viva a torcida dos amigos. Viva as orações! Viva as bananas, onde escondemos os comprimidos para a Theodora ingerir sem saber! Viva o Dr. Luciano!

Theodora e eu passamos pela sala de espera, radiantes.

Todos perceberam nossa euforia. Saí explicando sem o menor constrangimento a história do monstro, a retirada do baço, a quimio, os tratamentos altenativos, o motivo da festa naquela momento, como se todos fossem meus amigos íntimos.

E no fundo, todos queriam sim ouvir a nossa história : aquela senhora que estava com a sua Meg, uma cocker de 12 anos, doente. Aquele casal e sua boxer que estava com um tumor. O outro senhor com a poodle de 07 anos. Todos ansiosos por um exemplo vitorioso contra uma doença grave.

Nessas horas, somos todos iguais. Estamos vivendo as mesmas expectativas. Queremos que nos digam que tudo vai dar certo.

E a Theodora ali, toda fogueteira e pulante, era o exemplo nítido de que vale a pena acreditar.

Aproveitei para contar das dicas do tratamento para os donos dos outros cachorrinhos que estavam ali.

Um testemunho de otimismo, um incentivo a mais.

Na agência, eu chamaria isso de "um case de sucesso".

Theodora e seu rabicó na "velocidade cinco", brincou com todas na sala, como que comemorando.

Fomos pra casa.

Entrei no carro cantando. Inventei outras letras para músicas conhecidas, sempre falando da Theodora. Se alguém ouviu, deve ter me achado doida.

Mas o importante é a felicidade. E a felicidade às vezes é nonsense.

Não sei se esta é a batalha final.

Não sei se ainda falta muito para chegar até lá.

Mas hoje, a batalha mais importante é justamente esta que acabamos de vencer.

Abri o vidro, Theodora adora espiar pela janela do carro, as orelhas compridas como echarpes ao vento, bem ao estilo Penélope Charmosa.

Chegamos em casa.

Hoje, nada de ração: Theodora,minha querida, hoje é dia de macarronada!!

E se bobear, tem manga de sobremesa.

Hoje é o dia da exceção.

O dia em que provamos que estatísticas não são provas definitivas.

Estatísticas são só números. Nós somos superação.

Amanhã é outro dia... ( a ansiedade durante o tratamento do hemangiossarcoma canino)

Theodora foi comigo para a agência, resolvi ir a pé e levei-a comigo.

Adoro quando chega a hora de atravessar a rua: eu digo "espera"e a Theodora para e espera, obedientíssima, até eu dizer "Ok " para atravessar.

As pessoas olham, comentando "Que bonitinho, tão pequenininha e tão educada!". E eu fico toda orgulhosa, com aquele ar triunfante de quem conseguiu adestar superbem seu cãozinho.

Claro que tem sempre aquela hora constrangedora em que eu digo "OK " e Theodora traduz como "OK, vamos atravessar correndo super rápido, vamos apostar quem chega primeiro do outro lado!", mas, na maior parte das vezes, de uns anos pra cá, ela atravessa calmamente.

Por via das dúvidas, evito usar saltos ao sair a pé com a Theodora. A gente nunca sabe.

Levei Theodora comigo para simplificar o meu dia, pois havia marcado a quimio mais cedo, no final da manhã.

A sessão da quimioterapia transcorreu normalmente.

Continuo dizendo (brincando, óbvio) que o veterinário continua dando guaraná em pó para a Theodora. Ela tem resistido muito bem aos tratamentos, sai animada como se nada tivesse acontecido.

Mesmo assim, para compensar o stress, Theodora ganhou bifinhos com molho, além da ração.

E o comprimido diário de Meticorten veio escondido numa banana inteira e não numa só rodela, como de costume...

Mimos em forma de estômago feliz.

Amanhã é dia de ultrassom.

Já se passou um mês desde a cirurgia e vamos enfim checar se as coisas estão realmente andando bem.

Estou ansiosa, preocupada e ao mesmo tempo otimista.

É uma confusão de sentimentos.

Mas tenho que confiar, ter fé é tão fundamental quanto tratamento em si.

Theodora está embolada em sua caminha xadrez, cochilando tranquila. sem sofrer por antecipação.

Vou seguir seu exemplo.

Amanhã é outro dia.

Ora, bolas... um susto durante o tratamento do câncer em Theodora

Adoro quando minhas amigas que moram em outras cidades aparecem em Campinas para me visitar.

Tenho a bênção de ter grandes amigos e amigas.

E estou falando de amigos de verdade, desses que já presenciaram meus melhores e piores momentos, e que, mesmo sabendo do meus muitíssimos defeitos, ainda insistem na amizade. Gente com quem eu posso contar, pessoas que sempre receberei com carinho, mesmo nas minhas fases de impaciência.

Algumas amizades são bem antigas: mesmo tendo mudado de cidade aos dezoito anos, conservo algumas amigas do tempo do primário, e até mesmo (olha o recorde) do jardim da infância.

Outras amizades chegaram depois, e já se estendem por 10, 20 anos, sobrevivendo determinadas às minhas crises, aos meus surtos, às minhas maluquices, aos meus "momentos-caramujo" (quando sumo de tudo e de todos).

É muito tempo, é muito sal: depois de tantas histórias compartilhadas, certas pessoas são para sempre, não tem escapatória.
Eu brinco dizendo que às vezes fico na dúvida se isso é sorte ou se é carma.

Este final de semana, fiquei supercontente com a visita da Maria Amélia, uma das minhas amigas-irmãs, que veio de São Paulo e trouxe de lambuja um outro grande amigo meu, o Camel, que aproveitou a carona. Dose dupla de alegria, os dois são animadíssimos.

Encontrar os amigos é bom demais. Falamos sempre por e-mail, por msn, por telefone, mas não é mesma coisa que encontrar pessoalmente. Sou a favor de pessoas, não de avatares.

Animadas com o reencontro, Maria Amélia, minha irmã Ana Paula e eu desatamos a tagarelar, cheias de novidades, mil comentários saindo às fornadas, como se tivéssemos que contar toda a vida em apenas alguns minutos!

Esse meu amigo, coitado, não estava preparado para tanta falação. Ele tentava acompanhar a conversa, só faltou pegar senha para poder falar também: homens não entendem como mulheres conseguem falar de tanta coisa diferente ao mesmo tempo. A gente acha supernatural desfiar mil histórias que em algum momento se misturam, um assunto puxa o outro, a gente vai e volta no tempo sem jamais perder o fio da meada. Basta uma tomar um fôlego que a outra já pega a vez e sai falando, é conversa que não acaba mais. E tudo isso sem perder uma cena sequer do que está passando na novela...

A Theodora, a minha cachorrinha, adora este movimento todo de visitas.

Felizmente, a Maria Amélia e o Camel gostam de cachorros e não se importam se a Theodora resolve dividir amigavelmente um canto do sofá. Ao contrário, os dois é que não deram descanso para a pobrezinha, brincando o tempo todo, coçando-lhe a barriga, pegando no colo... E ela ali, só curtindo a bagunça...

E depois dizem que eu é que mimo a cachorrinha.

E foi numa dessas horas, com a Theodora confortavelmente virada de pança pra cima, que a Maria Amélia notou alguma coisa estranha ao tato:

"_Alda, ela está cheia de bolinhas..."

"-Imagina, Maria Amélia, não tem nada de bolinha aqui, nem vem, ela tá ótima, são os nós na pelagem, ela não viu escova estes dias..."

Puxei a Theodora pra perto, não vi nada.

Disfarcei na hora, mas fiquei cismada. Assim que meus amigos saíram com minha irmã para um choppinho, tratei de "escanear" a barriga da Theodora com a ponta dos dedos. Senti as bolinhas.

Surtei.

Só falta depois de todos estes esforços de tratamento, o hemangiosarcoma ter voltado.

Foi um resto de tarde desses que parecem sem fim.

Não dormi à noite.

As bolinhas me deixaram encafifada, preocupada.

Dormi um pouco, finalmente.

Sonhei com echarpe de "petit pois".

Por todo lado, bolotas.

Almôndegas. Rodas. Bolas. Bolinhas de gude.

Acordei de madrugada: a Theodora continuava dormindo e roncando.

Bom, estou fazendo tudo o que está ao meu alcance. Não depende mais de mim.

Mas será que rezei o suficiente?

Será que devo fazer uma promessa?

Ficar sem comer chocolate? hmm ...melhor não. Esta promessa está com cara de que resolveria meu problema de sumir com uns quilinhos a mais, e não de que resolveria o problema das bolinhas.

Essa não vale.

Ficar sem beber por um mês? Idem : essa promessa faria bem pra mim, não pra Theodora.

Será que eu devia ter pedido à Rossana mais sessões de Jin Shin?

Será que deveria ter aumentado as doses de ype roxo?

Sera que fiz mal em contar que um amigo, ao ver  foto do Sai Baba, achou-o  parecido com a Araci de Almeida? Mas era só um comentário engraçado da foto, não quis desmerecer...eu acredito mesmo que ele seja um guru do bem. E se ele é tão evoluído, sabe dessa minha boa intenção...

Rolei na cama, embolei-me no cobertor. E a Theodora roncando.

Segunda, felizmente, é dia de veterinário.

Mas o tempo não passa nunca quando temos pressa. Se hoje é domingo, a  segunda parece estar a anos-luz.

O tempo só passa rápido quando queremos que ele demore a passar.

Alguns dizem que o tempo não existe.

Mas o relógio é insuportavelmente real. E lento, quando estamos com insônia.

Bolinhas.

Minúsculas. Bolas por toda parte.

Imaginei-as pipocando por dentro da minha cachorrinha. Aliens.

No dia seguinte, olheiras.

Olhei-me no espelho, super tensa. Felizmente meus cabelos não haviam amanhecido todos brancos.
(Confesso, fiquei impressionada com aquela história que li sobre a Beth Lagardère. Sou fã dela, mulher chic, poderosa e brasileiríssima. Vi, na exposição de seus vestidos de festa no SPFW, um modelo totalmente inspirado na Bandeira do Brasil. Era a bandeira em forma de alta costura : pra quem pode. Mas enfim, li uma vez que quando Beth Lagardère perdeu o marido, de tristeza, acordou um dia com os cabelos inteiros brancos. Pintou-os, deixando somente uma mecha branca como homenagem ao marido. Uma linda homenagem. Mas alguns dizem que a mecha a deixou meio que parecida com a Cruela, a dos dálmatas...)

Se as bolinhas forem o hemangiosarcoma atacando, de nada adianta o stress da quimioterapia.

Uma batalha perdida? O monstro tinha vencido?

O que vamos fazer agora, Theodora?

Não estou preparada para despedidas.

Theodora me olhava abanando o rabicó, como que perguntando quando eu terminaria aquela lengalenga, era hora do café da manhã, um imperdível prato de ração colorida e uma rodela de banana estavam à espera e eu ali, enrolando...

Resolvi enfrentar a situação.

Abri a janela e, com mais luz, fui ver direito as bolinhas, se estavam no lado do baço extraído ( o baço etéreo, segundo a terapeuta)

Olhei bem de perto, ia pegar uma lupa ( pois é, meu pai me deu uma lupa de presente, em solidariedade à minha miopia) mas não foi necessário.

As "pseudo-bolinhas" seguiam uma linha em "T"...eram os pontos da cicatriz!!!.

Conferi mais de perto. Apalpei de leve, confirmando.Era mesmo a cicatriz, os pontos da cirurgia formando aqueles minúsculos relevos na pele.

Ufa!

Devolvi a Atlas o peso do mundo.

Coloquei um tênis, levei a Theodora para passear: apesar do inverno, hoje fomos presenteados com uma linda manhã de sol.

Tudo bem, tudo zen...Tratando o hemangiossarcoma canino

É muito estranho quando um veterinário olha para você e lhez diz com todas as letras que seu cachorrinho tem câncer.

Eu me senti desmoronando por dentro.

Uma coisa é autorizar uma cirurgia urgente. Outra é decidir se, depois de tudo, você vai autorizar um tratamento quimioterápico, que é hiper desgastante, numa cachorrinha que já tem 10 anos.

Fica sempre uma ponta de dúvida:

- Será que vale a pena?

- Será que vou fazer o animalzinho sofrer desnecessariamente?

-Será que vai adiantar? O hamangiosarcoma é agressivo, é possível que já haja metástase...

-Será que se o cachorro pudesse decidir, optaria pelo tratamento? Ou será que me pediria para deixá-lo ir ?

-Se eu autorizar, estarei fazendo isso pela Theodora ou por mim?

Peguei Theodora no colo, olhei bem pra ela, tentando traduzir-lhe o olhar.

- O que eu devo fazer, amigona? Posso lhe pedir que seja guerreira mais uma vez? Vamos derrotar este monstro como fizemos daquela vez com aquele outro monstrengo da doença do carrapato? Ou você já está cansada? Você quer ficar mais um tempo com a gente? Será que tenho o direito de lhe pedir isso depois de tudo este perrengue que você passou?

Por um instante fiquei com medo de ter lido nos olhos da Theodora que ela queria permissão para desistir. Que preferia que eu não lhe pedisse mais pra ficar. Que tinha sido uma amiga fiel, que estava agora na hora de se despedir.

Senti um nó na garganta.

Mas eu sou míope, oras. Não enxergo nada direito. Resolvi olhar de novo.

Ufa!

O segundo olhar foi de esperança.

Enxerguei desta vez um brilho de cumplicidade nos olhinhos da Theodora. Ela abanou seu rabinho cotó na "velocidade cinco", seu máximo da expressão de alegria. Parecia que me dizia que encararia o desafio mais esta vez, que era pra eu deixar de ser boba, a gente ia conseguir sair dessa.

- Ok, Dr Luciano, faremos a quimio, desde que a Theodora não sofra. Se ela passar mal, paramos.

Optamos pelo quimio paliativa. Sem sofrimento.

Agendamos a sessão. Comprei os remédios complementares para serem dados em casa. Genuxal (difícil de encontrar) e um corticóide.

Fiz um cartãozinho com os nomes e horários dos medicamentos.

Eu adoro cartões e cartazes. É uma mania. Desde menina, quando via um cartaz malfeito em algum bazar e padaria, tinha vontade de me oferecer para fazer outro melhor no lugar.

Quando cresci, virei publicitária.

O cartãozinho de remédios da Theodora ficou uma belezinha, com cores alegres, todo feito com colagens e papéis especiais( Mesmo assim, ainda erramos um dos horários, a Theodora acabou tomando uma dose dupla de Genuxal).

Mas apesar de ser totalmente favorável à alopatia, nestas horas toda ajuda é bem-vinda, e abraçamos a homeopatia como reforço extra: chá de ype roxo, banhos com confrei.

Minha irmã, mesmo com a convicção de que "o melhor amigo do homem não é o cão, é o Rivotril" também é adepta das homeopatias e energizações. Não como substituição à alopatia, isso nem pensar, mas como complementação. Por isso, além de descobrir onde conseguir ype roxo, ela abriu a agenda e ligou para uma amiga terapeuta holística.

As duas conversaram e combinaram de iniciar um tratamento totalmente zen para a Theodora.

O Jin Shin é uma técnica terapêutica de origem japonesa (ou será chinesa?), uma espécie de do-in que visa equilibrio das energias vitais.

Esses caras do oriente sabem das coisas. temos que admitir: Eles inventaram muitas coisas maravilhosas e trouxeram grandes contribuições para o mundo, muito além do sushi, dos rolinhos primavera e do China-in-Box.

Rossana, a terapeuta, chegou em casa, e, muito à vontade, esborrifou um spray no ar. Ela não explicou o que era, provavelmente algo para harmonizar o ambiente. O spray não tinha cheiro (pelo menos ninguém espirrou), e fiquei sem entender se aquilo era um ritual ou se a casa estava cheirando a cachorro e ela quis disfarçar.

Não entendi, mas achei melhor continuar sem entender, e não perguntei nada. Vai que eu desconcentro a pessoa...melhor fingir que nem notei o detalhe do spray.

Rossana sentou no tapete, acomodou a Theodora bem ao seu lado e começou a posicionar os dedos numa sequência determinada, para liberar os fluxos de energia da cachorrinha, que, a esta altura, estava toda escarrapachada, achando lindo toda aquela movimentação zen em torno dela. Virou de barriga pra cima e só faltou babar, de tanto que estava curtindo.

A terapeuta ia explicando: quando se pressiona este ponto no corpo da cachorrinha, trabalha-se a energia do pulmão, naquele outro ponto, a energia do coração.

Mas depois de cerca de meia hora, Theodora cansou de ficar parada, levantou-se e tentou sair andando, meio impaciente.

A pobre da terapeuta não podia tirar as mãos do lugar para não perder o andamento da coisa, e foi se esticando e se arrastando junto, os dedos grudados na Theodora, a cachorra andando e a Rossana andando atrás, um verdadeiro contocionismo.

Sem entender nada, Theodora me olhou como quem pede uma explicação para toda aquela cena nonsense.

Não consegui segurar o riso. Minha irmã me repreendeu com uma careta, e eu então fiz a Theodora sentar novamente, até a Rossana terminar o Jin Shin.

A nossa primeira experiência com Jin Shin foi na época em que Theodora pegou ictiose, a tal doença do carrapato, anos atrás.

A pobrezinha quase passou dessa para melhor. Fez tratamentos, transfusão de sangue e chegou a ser desenganada. Foi quando apelamos ao chá de quebra-pedra e ao tal do Jin Shin.

Após as sessões de Jin Shin, Theodora parecia mais animada e até bebia água.

Deu resultado na época, resolvemos repetir a dose agora.

Mas desta vez com upgrades. Além dos chás e da terapia do Jin Shin, Rossana e minha irmã colocaram a Theodora num gráfico de SaiBaba, um guru indiano que dizem ser um Avatar, um ser de Luz.

Um amigo viu uma foto de Sai Baba e o achou parecido com a Araci de Almeida.

Mas o fato é que ele é um guru respeitado, que prega a Paz e a quem atribuem milagres. De onde surgiu a idéia do tal gráfico, não sei, mas o nome da Theodora está lá, por via das dúvidas. Fé nunca é demais.

E o fato é que ela continua ótima, animada, brincalhona.

Tem gente que acha que estamos exagerando com essa coisa de zen, que um dia vão chegar em casa e ver a Theodora fazendo yoga e usando turbante.

Mas quer saber?

Não tô "zen" aí...