segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Are you there yet? (O tratamento contra o câncer parece sem-fim...)

Despertador. Hora de levantar.

Preciso trocar esta música do celular. Todo dia, às 8h00 em ponto, acordo com esta musiquinha do Skank. Adoro o Skank, mas não especificamente esta música, não sei porque até hoje não troquei.

Às vezes protelamos fazer algumas coisas, por parecerem superbanais. Por outro lado, a forma de acordar, de começar a manhã, pode influenciar imensamente o nosso jeito de conduzir o resto do dia.

Não sei que amiga comentou que fazia a questão de ela mesma acordar os filhos pequenos todos os dias, para que, ao abrirem os olhos, ela fosse a primeira pessoa que eles vissem.

Realmente, quando se é criança, acordar e ver a mãe ali, ao lado, é muito mais legal do que abrir os olhos e dar de cara com a babá. Ou do que não ver ninguém. Um cuidado extra para fazer o dia dos pequeninos mais feliz.

Definitivamente, posso escolher a música que vai me despertar pelas manhãs.

Vou pensar numa que realmente goste. E até pode ser do Skank. Mas não essa.

Mas hoje eu já estava acordada bem antes da musiquinha.

Aliás, hoje cedo a única música que me parecia cabível seria algo como um rufar de tambores de suspense. Algum tema de filme de Hitchcok.

Hoje é o dia do ultrassom.

O senhor da verdade. The Master of the Truth.

Imaginei o ultrassom como o Darth Vader. Aquele vozeirão dizendo talvez coisas que eu não quisesse ouvir.

Sei que parece estranho comparar a verdade com um vilão.

É que às vezes, por melhor que seja, a verdade parece cruel, como o Darth Vader.

Mas mesmo cruel por fora, a verdade é sempre boa por dentro, mesmo que a gente não perceba isso logo de cara, mesmo que a gente demore pra assimilar. Como o próprio Darth Vader, que, se pensarmos bem, é uma espécie de verdade de trás pra frente, já que, no fundo, ele é o pai bacana do Luke Skywalker.

A verdade às vezes parece se alternar entre o papel do herói e do vilão, e às vezes acaba sendo os dois ao mesmo tempo.

Não sei se quero mesmo ouvir a verdade, pois neste meu momento ela é uma ilustre e apavorante desconhecida.

Mas não suporto mentiras.

Talvez o melhor seja simplesmente não saber.

Talvez a ignorância seja mesmo uma bênção. Ela "atravanca o progresso ", como dizia o ator no programa do Chico Anysio, mas por outro lado, poupa o coração.

Mas não há como escapar : é dia de confirmar, enfim, se todas estas semanas de tensão, cuidados, insônias, quimioterapia, jinshin, gráficos de SaiBaba, orações, chás de ype roxo e de boldo, comprimidos, sprays e energizações valeram a pena.

Tenho que encarar, levar a Theodora pra fazer a ultrassonografia. Ouvir a verdade verdadeira.

Que a Força esteja comigo. Vamos lá.

A Theodora e nós todos da família optamos por travar uma batalha intensa contra o hemangiossarcoma esplênico, a despeito das estatísticas pessimistas que constam na literatura veterinária.

Apostamos nossas fichas na quimioterapia complementada pela homeopatia e pela terapia holística, com reforço extra de muito pensamento positivo e muitas orações.

Vários amigos aderiram à onda de energia positiva. Mandavam e-mails, recados, mentalizavam que tudo ia dar certo. Amigo que é amigo tem que mais é que dar força, faz parte da descrição do cargo.

Fiz na agência, logo após a cirurgia da retirada do baço da Theodora, um cartão de agradecimento :

"Au-brigada!" .

Fiz questão de enviar a todos, agradecendo a torcida. Ficou bem fofo. Todos gostaram.

Não sei ainda como se faz para inserir imagem no blog. Se eu descobrir, insiro a arte. Ficou mesmo muito legal.

Não acho que fazer o cartão foi perda de tempo, não. Fiquei no estúdio elaborando o design como forma de expressar imenso carinho e gratidão.

O design é também uma forma de desabafo. Uma forma de traduzir o coração.

Durante todas estas semanas, dividimos a mente entre o medo e o otimismo. O receio da despedida, a expectativa da cura.

É incrível como um simples animalzinho pode transformar a vida de tantas pessoas numa família.

Por 10 anos, a Theodora esteve ali, partilhando das nossas vidas. Brincando. Protegendo. Fazendo festa com nossa chegada. Dividindo silêncios, testemunhando momentos difíceis e momentos maravilhosos. Fazendo travessuras. Alertando sobre movimentos estranhos. Fazendo parte da nossa rotina. E muitas vezes, é verdade, quebrando totalmente a rotina.

Ou seja, cumprindo divinamente seu papel de cachorro de estimação: sempre leal. Sempre companheira, sem fazer julgamentos.

E de repente, um tumor terrivelmente maligno pode mudar tudo.

Hora de enfrentar o Darth Vader.

Fomos para o ultrassom.

Uma veterinária foi quem nos atendeu.

Nunca havia pensado em levar a Theodora para uma consulta com uma veterinária mulher. Nenhum preconceito, ao contrário, apenas nunca havia passado isso pela minha cabeça.

Tenho uma prima veterinária, mas sempre a imaginei cuidando de cavalos ou bois, nunca de cachorrinhos.

Expliquei a situação.

Atenciosíssima, a meu pedido, a veterinária começou os procedimentos com o cuidado de ir me explicando cada detalhe de cada imagem. Ela deve ter achado insuportável, mas eu achei ótimo.

Theodora não gostou nada do exame. Tremia que nem vara verde. Talvez porque eu não tenha conseguido lhe passar segurança alguma.

No fundo, era meu coração que tremia : e se houvesse metástase?

E se houvesse algum nódulo, algum sinal de que o monstro estava ainda vivo?

Teria sido tudo em vão?

O ultrassom mostrou estômago, cólon, alças, vesícula, bexiga, verdadeira aula de anatomia canina.

Uma manchinha na tela e eu sentia um nó na garganta: "É alguma coisa? "

"Não, por enquanto nada"- dizia a moça.

"E agora, o que é esta bolinha escura?"

"Calma, é a vesícula, está tudo bem por enquanto" - explicava a veterinária.

"E essas manchas brancas? E essas sombras? "

"Fique tranquila, estas são as alças, e estes são gases"

GASES?

Gases aparecem no ultrassom?

( Theodora, estamos aqui vendo um punzinho seu em formação?)

Que coisa esquisita, a ciência. O homem foi à lua e temos equipamentos que detectam gases no interior dos órgãos! ...Mas nada de inventar um jeito de alinhar os dentes sem que sejam necessários anos e anos usando aparelho.

Lembrei do meu dentista, me dizendo que em 6 ou 7 anos, usando aparelho direitinho, meus dentes ficariam perfeitos. Quase surtei. Já me imaginei num asilo, e usando ainda aparelho. Não, não, melhor esperar pelas novas tecnologias.

Este exame de ultrassom parece sem-fim.

Um desafio à ansiedade.

Por outro lado, tanto cuidado me sugeriu perfeccionismo, atenção. Prefiro assim, apesar da demora.

"E este sinalzinho aqui? "

"Está tudo normal, estamos indo bem, Alda, acalme-se "

Acho que estava parecendo burrinho do Shrek, repetindo "Are we there yet? ", "Are we there yet? "

Insuportável, admito.

Mas convenhamos, depois de tanto sufoco por tantas semanas, tudo bem eu me permitir esse meu momento Burrinho do Shrek:

"Tem certeza mesmo de que não é nada, doutora? "

Chamei-a de doutora? Qual o nome da veterinária? Não lembro seu nome. Acho que toda hora que ia perguntar de novo, oopps, algo na tela do ultrassom me chamava atenção. Uma gafe esquecer o nome da pessoa, coisa chata, mas agora as prioridades são outras, desculpe aí.

Vamos lá, olhos bem abertos, não podemos deixar escapar nada nenhum linfonodo, nenhum micro-monstro despercebido, há que se vasculhar tudo, cada milímetro, para saber se não há realmente sinal nenhum de metástase.

Uma eternidade.

Ainda falta muito? (Are we there yet? ?)

É como estar num túnel, avançando sempre, mas sem saber se na saída veremos luz ou um céu negro de tempestade.

Não saber o que está do outro lado parece tornar a viagem mais longa.

Estou há quanto tempo nesta sala? Horas? Dias? Quanto mais tempo levaremos?

Ufa. Acabou.

Nenhum sinal do monstro.

Theodora, mil pontos. Metástase, zero.

Vencemos!

Vencemos, sim, pelo menos por enquanto. Fomos muito além do esperado.

Viva o Genuxal, o Meticorten, a doxorrubicina! Viva o ype roxo, os gráficos do Sai Baba, as sessões de jin shin aplicadas pela Rossana! Viva o chá de boldo, viva a novalgina, viva o spray de energização! Viva a torcida dos amigos. Viva as orações! Viva as bananas, onde escondemos os comprimidos para a Theodora ingerir sem saber! Viva o Dr. Luciano!

Theodora e eu passamos pela sala de espera, radiantes.

Todos perceberam nossa euforia. Saí explicando sem o menor constrangimento a história do monstro, a retirada do baço, a quimio, os tratamentos altenativos, o motivo da festa naquela momento, como se todos fossem meus amigos íntimos.

E no fundo, todos queriam sim ouvir a nossa história : aquela senhora que estava com a sua Meg, uma cocker de 12 anos, doente. Aquele casal e sua boxer que estava com um tumor. O outro senhor com a poodle de 07 anos. Todos ansiosos por um exemplo vitorioso contra uma doença grave.

Nessas horas, somos todos iguais. Estamos vivendo as mesmas expectativas. Queremos que nos digam que tudo vai dar certo.

E a Theodora ali, toda fogueteira e pulante, era o exemplo nítido de que vale a pena acreditar.

Aproveitei para contar das dicas do tratamento para os donos dos outros cachorrinhos que estavam ali.

Um testemunho de otimismo, um incentivo a mais.

Na agência, eu chamaria isso de "um case de sucesso".

Theodora e seu rabicó na "velocidade cinco", brincou com todas na sala, como que comemorando.

Fomos pra casa.

Entrei no carro cantando. Inventei outras letras para músicas conhecidas, sempre falando da Theodora. Se alguém ouviu, deve ter me achado doida.

Mas o importante é a felicidade. E a felicidade às vezes é nonsense.

Não sei se esta é a batalha final.

Não sei se ainda falta muito para chegar até lá.

Mas hoje, a batalha mais importante é justamente esta que acabamos de vencer.

Abri o vidro, Theodora adora espiar pela janela do carro, as orelhas compridas como echarpes ao vento, bem ao estilo Penélope Charmosa.

Chegamos em casa.

Hoje, nada de ração: Theodora,minha querida, hoje é dia de macarronada!!

E se bobear, tem manga de sobremesa.

Hoje é o dia da exceção.

O dia em que provamos que estatísticas não são provas definitivas.

Estatísticas são só números. Nós somos superação.

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